Texto e contexto midiático
É retirando a fala do contexto do outro que o logocentrismo se impõe e é assim que as redes sociais se impõem também hoje em dia na nossa vida cotidiana. Por mais que nos sintamos inseridos na contemporaneidade com notícias frequentes, segundo a segundo, inertes diante de uma tela, a questão é que estamos fora do contexto, isto é, fora de uma compreensão mais ampla da realidade. Vivemos não em bolhas, mas em gotículas de água que forma um oceano que não conseguimos ver submergidos nele e que é a nossa realidade.
Diante disso, é que surge o questionamento desconstrutor de Derrida chamando nossa atenção para além do texto, para uma metafísica da escritura na qual o texto se insere, isto é, para o contexto, o que advém com o texto e não percebemos. Falar em metafísica, em algo para além do que vemos fisicamente não era novidade em sua época, a década de 60, ademais, já era algo caduco, pois a metafísica já era posta em questão desde o século XVIII com Kant e suas Críticas. O que é novidade era falar sobre a metafísica como algo presente ainda nestes tempos e ainda mais presente do que antes com a questão da linguagem estruturalista como modelo das ciências humanas, psicanálise e filosofia. Era falar de tecnologia em sua física como algo não oposto ao que espiritual como pensava Descartes com o seu corpo máquina, mas como parte mesma desta metafísica através da ideia de escritura, atualmente presente na ideia de mídia.
Quem pensaria que a escritura, este suporte secundário, um suplemento à fala fosse tão importante? Que as tecnologias não fossem só algo manuseado pelo ser humano, mas uma extensão dele muito mais ampla do que pensaria depois McLuhan? As tecnologias não são inseparáveis da metafísica, diz Derrida em sua Gramatologia, mais ainda, elas podem reforçar a metafísica existente em cada um de nós. A cada vez que se debate, por sua vez, os usos das redes sociais na contemporaneidade e os efeitos das mídias em nossa vida cotidiana consciente e inconscientemente, é esta metafísica que está em questão portanto, pois como advertiu Derrida, a metafísica da escritura ou o preconceito da escritura que comanda o conceito de escritura, de ciência e história, isto é, era o maior etnocentrismo em sua época e ainda hoje.
A metafísica ou preconceito, tanto gnosiológico como ideológico, é portanto o contexto da fala em relação em relação ao texto propriamente escrito, em termos fenomenológicos, o que quer dizer o texto, a voz por trás do fenômeno, todos os lugares de fala e suas questões ideológicas presentes na atualidade, da direita à esquerda, de cima a baixo, e também na transversal. É o que está para além do texto lido corrido entre uma postagem em outra com o qual em geral não nos preocupamos e que é o preocupante para Derrida e que ele tenta desconstruir, retardar em sua compreensão, com rodeios intermináveis porque intermináveis os contextos um, texto remetendo a outro, e indecisões constantes, pois é importante não é possível decidir sem compreender, mais do que entender, o contexto.
Se as redes sociais e mídias são um problema no nosso cotidiano é porque elas ajudam cada vez mais a não compreendermos o contexto, o que é fácil fazer isso ao olhar rapidamente as postas, afetado por elas em algum momento, sem se perguntar a que se refere e mesmo sem querer saber disso, apenas dando vazão ao desejo de alegria ou tristeza, amor ou ódio. Redes sociais são redes de afetos no sentido de Spinoza que, hoje em dia, é o que move a economia das redes e mídias com seus anúncios a partir de cliques, curtidas e compartilhamentos. Não importa o contexto de uma postagem, mas como ela é retirada ou inserida num contexto alheio, enxertada numa situação muitas vezes contrária à sua, como uma fake news que é uma verdade mítica para aquele que acredita nela sem qualquer questionamento, lembrando, como um ídolo da tribo a que se refere Francis Bacon, ou uma ideia adventícia, diria Descartes.
É neste sentido que a desconstrução se torna importante na atualidade para compreendermos as mídias e nossas ações nela, pois é somente contextualizando os textos das postagens que podemos compreender todo o processo de construção ideológica, gnoseológica e metafísica presente nelas. Desconstrução não é retirar a fala de um contexto neste caso, mas pensá-la no contexto em que se insere e quais os efeitos que ela produz ou que busca ter em determinado contexto. Há uma confusão natural como já advertia Derrida da desconstrução com a destruição e a diferença entre aquela e esta, pois enquanto esta visa destruir o contexto, aquela busca senão reconstruir o contexto até a compreensão da fala do texto, de quem fala no texto e para quem fala, no caso, quem e para quem escuta.
Em geral, quem fala não escuta a si mesmo quando fala e, neste sentido, perde a dimensão de sua fala, do contexto dela e de si mesmo. Se põe na fala sem se perceber e sem perceber a si mesmo nela, seu lugar de fala por assim dizer. É neste ponto que é preciso parar e escutar a si mesmo no que diz, reler o texto, o que quer dizer compreender o texto para além dele, o seu contexto: social, histórico, político, filosófico, linguístico. É preciso reaprender a falar com os outros a partir do contexto em que se insere, escrever um texto pensando no contexto.
Desconstruir é compreender o contexto em que vivemos e em que nossos textos vivem mais do que nós como nas redes sociais podendo ser resgatados totalmente fora de contexto por quem quiser para o que quiser construindo uma ideia ou um conhecimento de quem somos independente do que dizemos ou queremos dizer em nossos textos.
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